Abastecimento da alimentação escolar estimula o retorno das lavouras de feijão orgânico pelos agricultores familiares.
Abastecimento da alimentação escolar estimula o retorno das lavouras de feijão orgânico pelos agricultores familiares.

Por Natal Magnanti, coordenador do Centro Vianei e Fernando Angeoletto, jornalista do projeto “Agricultores e Consumidores em Rede” – MISEREOR. (ASPTA, VIANEI, ASPTA, CETAP).

 

Presença indispensável no prato de todo brasileiro, o feijão tem sofrido um declínio de cultivo nas unidades produtivas da agricultura familiar em Santa Catarina e no Brasil. Sua versão orgânica é ainda mais ameaçada, em função do manejo específico exigido pelo sistema de produção, além de todo o trabalho alocado em uma cultura pouco mecanizada e que disputa terras com a expansão das commodities, tais como a soja e o milho transgênicos utilizados para exportação e alimentação animal. Se ainda considerarmos o envelhecimento da população rural e o êxodo dos jovens agricultores(as), além do aumento significativo do preço nos últimos anos, temos por fim um conjunto de obstáculos que dificultam o acesso a este alimento fundamental e identitários da nossa cultura alimentar, principalmente entre as populações mais carentes do país.

A chave para mudança tem sido o engajamento associativo no atendimento às demandas de compras governamentais, principalmente vinculadas à Lei nº 11.947/2009 e à resolução nº 06/2020 do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), que fixam em 30% o limite mínimo de aquisição dos produtos para alimentação escolar diretamente dos agricultores familiares e suas organizações. Funcionando sob o necessário e permanente controle dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs), o sistema permite importantes avanços na manutenção e expansão da agricultura de base ecológica, a exemplo do que vem acontecendo nas últimas duas décadas no Planalto Serrano Catarinense.

Em 17 de agosto deste ano de 2022, o agricultor ecologista Lucas Francisco Goulart, presidente da Cooperativa Ecológica Ecoserra, assinou em nome da organização o contrato 302/2022, celebrado junto à Secretaria de Educação de Santa Catarina (SED). Através do instrumento, a Ecoserra firmou o compromisso assumido com a Chamada Pública 364/2021, em que foi vencedora de uma chamada pública bastante disputada prevendo a comercialização, no prazo de um ano, de 30 toneladas de feijão orgânico para consumo em unidades de educação básica dos municípios de Joinville, Brusque, Canoinhas, Lages e Florianópolis.

Morador de um reassentamento em Campo Belo do Sul, oriundo de compensação pelo alagamento das terras originais de sua família na barragem de Barra Grande, em Anita Garibaldi, o jovem Lucas Goulart comemora o contrato recente como um importante marco para a produção ecológica em seu território. “Temos percebido o abandono da produção de feijão na região, tanto convencional quanto orgânico. É um fato preocupante, pela importância deste alimento tão básico”, assinala o agricultor. Através da Chamada Pública foram engajadas 20 famílias, associadas à Cooperativa Ecoserra, que são responsáveis por produzir as 30 toneladas do feijão orgânico que estão sendo entregues à Secretaria Estadual de Educação. Além do município onde vive Lucas, as unidades familiares estão espalhadas por São José do Cerrito, Painel, Correia Pinto, Lages e Curitibanos. 

O engajamento das famílias começa nas assembleias da Cooperativa Ecoserra, que acumula uma experiência de pelo menos 16 anos na organização para atendimento às chamadas públicas da alimentação escolar, carregadas de procedimentos burocráticos e com alto nível de exigência quanto à qualidade dos alimentos. Uma vez identificadas as potenciais unidades produtivas, um serviço de interpretação dos laudos de análise do solo para posteriores adubação e calagem é disponibilizado em parceria com o Centro Vianei, bem como a assessoria aos grupos de produtores(as) no que tange a organização da produção. As famílias que participam deste processo terão acesso, a partir da safra 2022/2023, a um recurso de R $5 mil por hectare para viabilizar os cultivos, um financiamento que será quitado com a própria produção. Em média, serão cultivados de 1,5 a 2 hectares por propriedade. “Com um manejo correto, cada hectare pode produzir entre 1,8 a 2 toneladas do feijão orgânico, possibilitando uma receita bruta de até R $16 mil pelo atual valor de repasse à Cooperativa”, explica Lucas Goulart.

Vencido o desafio produtivo, somam-se outros até a chegada do produto nos pratos de milhares de estudantes catarinenses. Após a colheita, a safra é encaminhada para secagem, pré-limpeza e classificação em uma cooperativa coirmã em Anita Garibaldi, a CooperAnita, cujas instalações passaram por adequações no cumprimento à legislação para beneficiar produtos orgânicos. Passada esta etapa, o feijão é encaminhado à Cooperativa Ecoserra sediada em Lages para seleção final dos grãos, feita de forma manual, e fracionado em embalagens de 1 kg, com observância às normas fitossanitárias previstas na legislação. A Cooperativa Ecoserra é também responsável pela entrega final em cada unidade escolar, onde o produto passa por uma inspeção antes de chegar às mãos das merendeiras. “Observamos o mesmo nível de exigência para entrada nos mercados convencionais de alimentos orgânicos, onde o produto seria sobretaxado. A diferença é que ele passa a ser acessado por uma população de menor poder aquisitivo, que provavelmente não teria recursos para consumi-lo”, ressalta o engenheiro agrônomo Natal Magnanti, do Centro Vianei de Educação Popular.  

O valor bruto do contrato da Chamada Pública 364/2021 é de R $381.300,00. De olho nos próximos editais, a Cooperativa Ecoserra prepara-se para dobrar a capacidade produtiva em atendimento às compras governamentais de Santa Catarina e também visando outros mercados para o feijão orgânico.